Governança Corporativa

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Autor: Dr. Tiago Rocha


RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar os problemas relativos à razão de ser e à forma da governança corporativa, através da identificação dos conflitos de interesses nas relações que lhe são subjacentes, como meio de evidenciar as boas práticas a serem adotadas pelas empresas. Para tanto, é feita uma abordagem histórica da evolução da governança corporativa no mundo (com ênfase nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e, derradeiramente, no Brasil), investigando as principais implicações dos modelos de governança até então configurados, seguida de uma análise específica do sistema brasileiro.

SUMÁRIO

1          Introdução………………………………………………………………………………………………………… 7

2          Conceito…………………………………………………………………………………………………………… 9

3          A razão de ser e a forma da governança corporativa…………………………………….. 13

3.1     A governança corporativa no exterior………………………………………………………… 13

3.1.1       A base capitalista das grandes sociedades de capitais…………………….. 13

3.1.2       Configuração nos Estados Unidos…………………………………………………….. 16

3.1.2.1         O sistema de sociedade anônima: seu agigantamento, a dispersão do controle e o divórcio entre a propriedade e a gestão do capital social……………………….. 17

3.1.2.2         Os “conflitos de agência”…………………………………………………………… 18

3.1.2.3         Articulações da governança corporativa…………………………………… 21

3.1.2.4         Os novos minoritários (investidores institucionais)……………………. 22

3.1.3       Configuração no Reino Unido……………………………………………………………. 24

3.1.4       Configuração na Alemanha……………………………………………………………….. 25

3.2     A governança corporativa no Brasil…………………………………………………………… 27

3.2.1       Configuração……………………………………………………………………………………… 27

3.2.2       A estrutura da propriedade como aspecto intrínseco e determinante do modelo de governança……………………………………………………………………………………………………. 31

3.2.3       Os problemas do controle acionário………………………………………………….. 32

4          O sistema de governança corporativa brasileiro……………………………………………. 35

5          Conclusão……………………………………………………………………………………………………… 40

REFERÊNCIAS……………………………………………………………………………………………………… 42


1         Introdução

A governança corporativa é objeto de discussão no mundo todo, de grande relevância não apenas jurídica, como também econômica, social e política. Nas últimas décadas, as grandes transformações no ambiente econômico fizeram despertar a necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre as práticas de governança e as relações destas com o bom desenvolvimento do mercado de capitais e das empresas. Com isso, passou a ser imprescindível desenvolver o estudo acerca da natureza e forma da governança corporativa no mundo, evidenciar as controvérsias por detrás deste conceito e discutir as principais implicações a ele inerentes.

Como aferir quais os impactos de determinado sistema de governança corporativa como positivos ou negativos, em relação ao mercado ou ao valor da empresa? Não há como pensar a governança corporativa instrumentalmente, sem, antes, compreendê-la por completo. E não há como falar em boas práticas de governança sem saber exatamente quais são as ruins e por quê. Daí a justificativa ao início da trilha cognoscitiva neste tema.

O primeiro passo, então, é averiguar historicamente onde, quando, como e por que, surgiu a idéia de governança corporativa como uma espécie de mecanismo hábil a solucionar problemas relacionados ao mercado de capitais e às empresas. Quais foram as implicações que propiciaram que tal discussão viesse à tona? Como se deu a construção do conceito de governança corporativa?

Após a compreensão das causas e dos porquês, é de mister efetuar um exame racional da lógica que sustenta a sua forma e razão de ser. Trata-se de um verdadeiro exame da realidade corporativa, apreendendo as condições intrínsecas à governança, a fim de inferir sobre a possibilidade de ser instrumentalizada, bem como quanto à sua tangibilidade. Haveria como estipular qual deveria ser a verdadeira essência da governança corporativa? Quais seriam as implicações disto?

Nesse tom, a identificação dos problemas por detrás da governança corporativa está no cerne da questão. Não se trata, pois, de vislumbrar uma problemática na própria governança em si, isoladamente, mas, sim, de identificar todas as relações que a circundam e, nestas, as possíveis questões a serem enfrentadas.

Isso pelo fato de que é das relações intersubjetivas que nascem os conflitos de interesses, sem os quais não se justifica a intervenção do direito ou de qualquer outra ciência. Destarte, por assim dizer, o problema será sempre um desequilíbrio entre duas ou mais pessoas, e a solução, o mecanismo capaz de estabelecer a equidade num caso concreto.

O foco, então, há de ser nos conflitos de interesses que emanam das relações entre os diversos sujeitos afetados pelas práticas de governança. Identificado o conflito, verifica-se quanto ao desequilíbrio da relação (a injustiça). E porque só é possível afirmar uma desproporção quando se tem em vista qual seria a adequada proporção, uma vez vislumbrado o desequilíbrio, conseguintemente e ao mesmo tempo, abre-se, também, as portas à identificação da justa medida de solução; ao (dever ser) almejado juridicamente.

A afirmação do ponto de equilíbrio é, portanto, o próprio início da solução. Conhecer o dever ser leva à possibilidade de impedir o conflito antes mesmo da sua ocorrência. Este, aliás, é o melhor caminho. Vale dizer, a solução mais eficaz fica muito aquém da composição do litígio, ela é, realmente, a que impede a ocorrência deste.

Isto posto, é importante reconhecer que a atividade do operador do direito não poderá ficar limitada àquela mais comum, de solucionar um litígio já configurado. Deverá atuar, pois, como um verdadeiro arquiteto, projetando mecanismos de direcionamento das relações, de forma a impedir um desequilíbrio, preventivamente – ou seja, agir antes da ocorrência do conflito, visando a coibi-lo.

Com este foco, é que debruçaremos no presente trabalho, mais detidamente, no (ponto de equilíbrio) da governança corporativa, e não exatamente numa análise das práticas já estipuladas, em que pese estas não terem sido ignoradas aqui.

As boas práticas de governança corporativa, certamente, só serão apropriadamente reconhecidas quando se puder determinar a verdadeira forma das relações intersubjetivas que lhes são subjacentes. Compreender, com profundidade, tais relações e os conflitos de interesses que lhes tocam permitirá definir padrões de postura capazes de impedir o prejuízo advindo destes. E nisto consiste a determinação da real forma da governança corporativa. Eis o desafio posto.

2         Conceito

A Governança Corporativa traduz-se, em linhas gerais, num arcabouço de atos e instrumentos harmonizadores dos interesses circundantes das sociedades anônimas, cujo fito primordial é determinar a justa medida das formas de manifestação do poder nas relações que envolvem a empresa, mormente no que concerne a resguardar os direitos daqueles que podem ser prejudicados injustamente por atos de administração e controle desta.

A explicação acima é aberta porquanto há diferentes modelos de governança corporativa ao redor do mundo, cada qual adotado conforme o perfil histórico, cultural, econômico e institucional predominante em cada país, o que faz variar a definição de um para outro. A fim de ilustrar a variedade dos conceitos existentes, vejamos alguns:

“A questão fundamental da governança corporativa é a forma de assegurar que os financiadores obterão para si o retorno sobre seu investimento”[1]

“Governança corporativa é o sistema que assegura aos sócios proprietários o governo estratégico da empresa e a efetiva monitoração da diretoria executiva. A relação entre propriedade e gestão se dá através do conselho de administração, a auditoria independente e o conselho fiscal, instrumentos fundamentais para o exercício do controle. A boa governança corporativa garante equidade aos sócios, transparência e responsabilidade pelos resultados (accountability) ”[2]

  “A Governança Corporativa consiste no conjunto de regras, procedimentos, atitudes e instituições que condicionam a ação dos administradores no sentido de atender aos interesses dos financiadores e das partes interessadas na empresa (stakeholders), particularmente os acionistas (shareholders). Práticas de governança, juntamente com as leis e a atuação dos tribunais e dos legisladores, visam a evitar que uma parte seja expropriada por outra.” [3]

“A expressão corporate governance designa as relações entre administradores e acionistas, regidas por normas jurídicas dentre as quais se destaca o dever de lealdade.”[4]

“O governo das sociedades é um componente fundamental na melhoria da eficiência e do crescimento econômicos, bem como no reforço da confiança do investidor. Envolve um conjunto de relações entre a gestão da empresa, o seu órgão de administração, os seus acionistas e outros sujeitos com interesses relevantes. O governo das sociedades estabelece também a estrutura através da qual são fixados os objetivos da empresa e são determinados e controlados os meios para alcançar esses objetivos.”[5]

Outros significados são propostos pelos estudiosos do assunto, os quais variarão conforme a governança seja vista como guardiã de direitos das partes com interesses em jogo, como sistema de relações pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, como estrutura de poder que se observa no interior das corporações ou como sistema normativo que rege as relações internas e externas das empresas. [6] Seja como for, parece-nos que não há como afirmar ser determinado conceito o mais certo ou o melhor, uma vez que, independentemente do enfoque dado ao instituto, embora com traços diferentes em cada modelo de governança possível, uma coisa é certa: sempre haverá no cerne da governança corporativa, a presença de um sistema normativo de prescrição de direitos, imanente a um sistema de relações, caracterizado por certa forma de estrutura de poder.

Por outro lado, a determinação do que é governança corporativa também dependerá de como se conceba quais sejam as pessoas legitimamente reconhecidas como interessadas em face da companhia. Este critério de classificação tem maior relevância que o do parágrafo anterior, haja vista que estabelece a fundamental distinção entre os principais modelos de governança. De modo geral, didaticamente, nesse sentido, pode-se dividir em apenas duas as vertentes predominantes atualmente no mundo, quais sejam, a do sistema de governança anglo-saxão – originário dos Estados Unidos e do Reino Unido – e a do sistema de governança característico da Europa Continental e do Japão. O primeiro modelo leva em conta somente os interesses dos sócios ou financiadores do empreendimento, majoritários ou minoritários (que são denominados “shareholders), embora reconheça, outrossim, a posição de outras pessoas relacionadas à sociedade.

Já o segundo, com ponto de vista mais amplo, considera também o status de todos aqueles que, interessados na preservação da companhia, possam ser afetados pelas tomadas de decisões dos seus administradores – podendo englobar, além dos “shareholders”, credores, trabalhadores e administradores profissionais, consumidores, a comunidade local ou outros seguimentos de pessoas (este grupo é denominado “stakeholders”).         

No Brasil, vale dizer, a própria lei sobrelevou o reconhecimento dos interesses dos “stakeholders”, sendo certo que, já há algum tempo, entre nós, esse modelo deixou de ser apenas uma idéia em evolução para consubstanciar-se em premissa ao desenvolvimento sustentável das companhias. Nesse sentido, por exemplo, o parágrafo único do artigo 116 da Lei nº 6.404/76, ao dispor que “o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

Considerando, pois, esse enfoque mais amplo abraçado pelo legislador brasileiro é que desenvolveremos o presente trabalho, dando-lhe forma predominantemente jurídica a partir dos conflitos de interesses e formas de exercício de poder que as boas práticas de governança corporativa visam a equalizar.

Isto posto, podemos dizer que Governança Corporativa é, utilizando a expressão do doutrinador Arnold Wald[7], o “estabelecimento do Estado de Direito na sociedade anônima”, significando moldá-la de modo que seja estruturada institucionalmente com base em regulamentos que disciplinem sobre sua organização e modo de funcionamento, distribuindo as formas de exercício de poder entre órgãos previamente definidos, prescrevendo suas competências, bem como estabelecendo os direitos e deveres dos acionistas.[8]

A comparação com o Estado de Direito é bastante interessante. Ora, da mesma forma que o direito administrativo teria surgido como ferramenta de limitação dos poderes da administração, e o direito constitucional moderno para restringir o poder absoluto do rei, a governança corporativa objetiva estabelecer, apropriadamente e conforme o direito, os poderes e garantias nas sociedades, assegurando-lhe estrutura eficiente, bem como observância dos princípios da boa-fé e ética pelos administradores. Nas palavras do mestre, “podemos dizer que o conjunto de medidas que assegura o funcionamento eficiente, rentável e equitativo das empresas deve assegurar a prevalência do interesse social sobre os eventuais interesses particulares dos acionistas, sejam eles controladores, representantes da maioria ou da minoria. Trata-se, portanto, da criação do Estado de Direito dentro da sociedade anônima, em oposição ao regime anterior de onipotência e de poder absoluto e discricionário do controlador ou grupo de controle.” [9]

Cabe aqui, finalmente, uma pequena consideração acerca da terminologia que adotamos nesta monografia. Em que pese sermos adeptos da lição que propugna ser mais adequado o emprego da expressão “Governo das empresas” [10], preferimos “Governança Corporativa” tendo em vista que o tema é cosmopolita e tal nomenclatura está, aos poucos, sendo universalizada, conquanto de forma adaptada a cada idioma. 

3         A razão de ser e a forma da governança corporativa

Para compreender a razão de ser e a forma da governança corporativa, o primeiro passo é conhecer sua origem e processo de evolução. Somente após isto, poder-se-á aprofundar no estudo do instituto, analisando seus mecanismos e implicações.

Faremos, então, a seguir, uma abordagem panorâmica das questões que desenharam, ao longo do tempo, o tema, passando pelas linhas essenciais de sua formação no mundo, depois, mais especificamente, em cada um dos principais sistemas de governança corporativa, quais sejam, o dos Estados Unidos, o da Inglaterra e o da Alemanha, para, derradeiramente, debruçar no do Brasil.

3.1    A governança corporativa no exterior

A governança corporativa não foi uma mera invenção. Diversas razões, concatenadas entre si, gradativamente, determinaram seu surgimento e desenvolvimento, sendo certo, entretanto, que ainda está em processo de construção. Essa marcha sempre esteve intrinsecamente relacionada com as transformações pelas quais passou a economia e, principalmente, o sistema capitalista no mundo todo. Conhecer, então, a lógica e articulação das questões fundamentais desencadeadoras do andamento desse processo é o caminho para compreender a origem e evolução do objeto do presente trabalho.

Nesse diapasão, destacaremos adiante os principais elementos de base que, ao longo da história, acabaram por dar sustentáculo a uma estrutura tal que levasse aos reclames por um perfil institucionalizado das corporações, que desembocaria na aceitação da lógica remodeladora da governança corporativa pelas empresas.

3.1.1                A base capitalista das grandes sociedades de capitais

Os primeiros elementos do cenário pintado ao longo da história, da governança corporativa, que compõem sua estrutura de base, começaram a se constituir a partir do século XVIII. Trata-se da ampliação e fortalecimento do sistema capitalista. Alguns fatores históricos são capazes de traduzir as primeiras pinceladas que contribuíram ao seu esboço, tais como: a ética calvinista; a doutrina liberal; a Revolução Industrial; o desenvolvimento tecnológico incessante nos três últimos séculos; a ascensão do capital como fator de produção; e o sistema de sociedade anônima.[11] O formato desta equação pode ser sintetizado conforme se verá adiante.

Em meados do século XVI, a ética calvinista abriu as portas ao alinhamento da visão de empreendimento com a espiritual, rompendo com a aversão teológica aos princípios do ganho econômico e da acumulação de riquezas terrenas, elaborada na Idade Média. Os calvinistas passaram a santificar e aprovar o esforço humano como espécie de indicador de valor espiritual, contrariando os teólogos da ortodoxia cristã e formando um novo paradigma de visão de mundo a partir de então. Abriram, portanto, as portas ao desenvolvimento do sistema capitalista.

Contudo, até o século XVIII, prevaleceu o intervencionismo estatal, sendo restritas as dimensões da vida negocial. Foi quando, com as revoluções liberais, foram alçadas à condição de princípios essenciais da ordem econômica a propriedade privada, a liberdade de empreendimento e a livre concorrência, elaborando-se, assim, os alicerces de um novo conhecimento sobre as possibilidades de organização das forças produtivas. Prevaleceria a autoregulação da economia, a “mão invisível” do interesse próprio, o que, na ocasião, favoreceu o dinamismo empresarial e alavancou a economia.[12]

Concomitantemente, até 1830, a Revolução Industrial, deflagrada inicialmente na Inglaterra e depois disseminada ao resto do mundo, proporcionou a transformação dos modos de produção, bem como inovação das relações entre agentes econômicos – empreendedores, trabalhadores e governos. Novas tecnologias surgiram, como máquinas, exploração de carvão mineral, minério de ferro, levando ao desenvolvimento de fábricas, já que, até então, o que se tinha era o artesanato e a manufatura. A produtividade do trabalho aumentou espantosamente e as oportunidades de investimento se multiplicaram. O consumo local já não era mais suficiente em relação à quantidade de bens produzidos, vindo a necessidade de expansão a novas demandas. Nesse compasso, a realidade passou a ser de produção em grandes escalas, e, conseguintemente, houve modificação também do modo de suprimento dos mercados, impulsionando a acumulação capitalista e reconfigurando a economia industrial.

Esse ambiente de liberdade empresarial e reestruturação produtiva levou a enormes avanços tecnológicos contínuos muito rapidamente. As indústrias se diversificaram e novos produtos nunca antes vistos passaram a fazer parte da realidade de consumo de grandes massas. A tecnologia permitiu que novas escalas e produção em série aumentassem geométrica e, até mesmo, exponencialmente, e tudo isso com redução de custos, o que possibilitava a diminuição dos preços no mercado. Dessa forma, crescia a demanda e, consequentemente, outrossim, as receitas das empresas.

Tudo isso favoreceu a ascensão do capital como principal fator de produção, invertendo a lógica do sistema capitalista que, até o século XVIII, tinha a terra como fator dominante. Os impactos foram grandes, em especial a exigência de intermediação e de aglutinação de grandes poupanças para financiar o crescimento econômico. Eis que, para ampliar cada vez mais a produção a fim de cobrir a maior demanda possível, era necessário aumentar também os investimentos em bens de capitais, máquinas, matéria prima, equipamentos etc.

A melhor forma empresarial, pois, encontrada para atrair recursos financeiros, com o menor custo possível e dispersando os riscos do empreendimento, foi a da sociedade anônima. Esta veio completar a equação capitalista porquanto se, de um lado, esta espécie de sociedade captava recursos sem juros, diretamente da poupança popular, alavancando sua capacidade ilimitadamente, de outro, tornava-se bastante atraente ao investidor a possibilidade de lucro, tendo sua responsabilidade limitada ao montante do capital subscrito. Além do mais, quanto ao idealizador do empreendimento, também tinha enorme vantagem porque poderia controlar grandes volumes de capitais, aplicando quantia muito inferior do próprio bolso, minimizando seus riscos.

As sociedades por ações, neste quadro, logo se tornaram protagonistas no desenvolvimento do capitalismo, o que acabou por fomentar o fortalecimento do mercado de capitais, fazendo-as agigantar. Tornaram-se, dessa forma, parte de um mesmo todo a formação do capitalismo e a evolução do mundo corporativo. Formava-se a estrutura que levaria à possibilidade (ou, talvez, sob um enfoque mais profundo, à necessidade) da idealização da governança corporativa. Vale dizer, quanto mais cresciam as sociedades anônimas, pela incrível concentração de capital, mais complexas tornavam-se suas relações, fazendo multiplicar os conflitos de interesses a ela imanentes, surgindo a necessidade de harmonizá-los – sendo que, para isto, se pensaria no desenvolvimento de um novo conhecimento, que se denominaria governança corporativa.

3.1.2                Configuração nos Estados Unidos

O desenvolvimento da governança corporativa no sistema dos Estados Unidos reflete, como paradigma que foi e ainda é, os principais aspectos da evolução em todos os outros sistemas, sendo certo que o conhecimento que produziram influenciou estes profundamente. É o motivo pelo qual, os tópicos a seguir refletirão principalmente os aspectos do modelo norte americano que os demais.

Sendo assim, cumpre advertir que os elementos dos pontos abordados neste tópico deverão ser considerados como subsidiários daqueles dos subseqüentes, na medida de suas compatibilidades.

3.1.2.1          O sistema de sociedade anônima: seu agigantamento, a dispersão do controle e o divórcio entre a propriedade e a gestão do capital social[13]

O sistemade sociedade anônima – como destacado acima – passou a ser essencial num cenário de expansão acelerada, tendo em vista sua capacidade de captar recursos. Graças a essa espécie de sociedade, já nas primeiras décadas do século XX, estabelecia-se como realidade o automatismo das forças de mercado, o incentivo do lucro e a euforia contagiante com o aumento da riqueza, favorecendo o crescimento econômico e do mercado de capitais de forma aceleradíssima.

Todavia muitas falhas ainda assombravam esse sistema. Tanto que, quando estava no auge, veio a grande crise de 1929-33. Prevalecia, até então, a febre especulativa, a perda da prudência, além de outros defeitos decorrentes da falta de regulação e da euforia exacerbada por lucros fáceis. Os controladores das sociedades dirigiam-nas como queriam, não havia regulação e era livre a especulação no mercado de capitais.

Foi necessário, então, rever conceitos, estabelecendo-se novos princípios para remodelagem do sistema capitalista, sintetizados na “General theory”, de Keynes. A partir daí haveria maior intervenção estatal na economia e nasceria a “SEC – Securities Exchange Comission”, agência reguladora do mercado de capitais americano. Eram já os indícios iniciais do surgimento da governança corporativa através da implantação das primeiras regras de conduta no mercado de capitais.

Estabelecidas novas bases ao sistema capitalista, este se recuperou da crisee voltou a crescer amplamente. E com o aperfeiçoamento e desenvolvimento do mercado de capitais, já na segunda metade do século XX, as companhias voltavam ao ciclo de expansão contínua. Esse processo de agigantamento das corporações teve impacto direto na dispersão do capital de controle, podendo-se destacar, nesse sentido, a influência dos seguintes fatores: a constituição das grandes empresas na forma de sociedades anônimas abertas; a abertura do capital de empresas fechadas; o aumento do número de investidores nos mercados de capitais; os processos sucessórios, que dispersavam o controle do sucedido; e as fusões e as aquisições, quando reduziam a participação dos sócios no total do capital expandido. Dessa forma, ao passo que ocorria a concentração de capital nas grandes companhias, agigantando-as, este, em contrapartida, era disperso entre proprietários passivos, acarretando, por conseguinte, a despersonalização da propriedade. [14]

Ocorria, então, a separação entre os proprietários do capital social e os gestores deste, vale dizer, a propriedade desligou-se da administração. Já não eram mais os “capitães de indústria”, fundadores-proprietários, que estavam no comando, mas, sim, executivos especializados contratados. Isso trouxe conseqüências importantíssimas, uma vez que, dada a tendência à pulverização das ações, os administradores (não proprietários do capital) passaram a agir com maior liberdade, sem uma efetiva fiscalização pelos acionistas (proprietários de fato).

Observou-se, a partir daí, que começaram a ocorrer conflitos de interesses entre os acionistas e os administradores, pois estes, muitas vezes, com atitude oportunista, agiam em seu próprio benefício. E foi justamente como reação aos oportunismos proporcionados pelo afastamento dos proprietários passivos que, efetivamente, começou-se a raciocinar detidamente acerca da governança corporativa.[15]

3.1.2.2            Os “conflitos de agência”

Na segunda metade do século XX, consagrou-se a teoria que denominou as divergências de interesses entre proprietários e gestores do capital como “conflitos de agência”, cujos primeiros estudos foram efetuados por Michael Jensen e William Meckling[16]. Foi a semente disseminadora de pesquisas sobre boas práticas de governança corporativa nos Estados Unidos, pioneiros na delimitação do tema.

A nomenclatura “conflitos de agência” foi proposta tendo em vista a analogia entre o paradigma do contrato de agência e o desenho das ligações entre os acionistas e os administradores nas sociedades anônimas de capital aberto. Verificou-se que o mesmo formato jurídico da relação definida pelo contrato de agência encaixa-se perfeitamente no quadro das sociedades por ações.

A lógica é a seguinte. Pelo contrato de agência, uma pessoa estabelece a obrigação de realizar certos negócios em nome e interesse de outra, mas tendo liberdade de atuação, isto é, podendo agir da forma que lhe parecer mais eficiente para concretizá-lo. O primeiro é chamado “agente”, o segundo, “principal”. E o fundamental é que aquele deve sempre atuar da maneira que melhor atenda aos interesses deste, surgindo o problema da agência quando esta regra não é observada.[17]

Adaptando essa forma às companhias, tem-se que, na posição de principais, estão os acionistas, e na de agentes, os executivos da sociedade (responsáveis pela gestão direta do capital). Aqueles delegam competências a estes a fim de que maximizem suas riquezas.

Nesse tom, o objetivo dos administradores da companhia (agentes) deverá sempre ser o de atuar fidedignamente em relação aos acionistas (principais), visando ao progresso da empresa de forma a que estes obtenham o máximo de lucro. Todavia, conforme os agentes passem a ter interesses divergentes daqueles dos principais, atuando em benefício próprio, descumprindo a obrigação de favorecer a estes ao máximo, dá-se um conflito de interesses, o “conflito de agência”.

A idéia que fundamenta a teoria é simples. É que, realmente, não se pode deixar de considerar que o agente também age no intuito de ampliar suas próprias riquezas, concluindo-se, a partir daí, em análise objetiva, ser possível que ele não atuará no melhor interesse do principal.

Nas sociedades anônimas, tendo em vista a pulverização do capital e o divórcio entre a propriedade e a gestão – na forma destacada acima –, com o passar do tempo, de fato, foram se verificando a ocorrência de conflitos entre acionistas e gestores, resultantes de interesses não perfeitamente simétricos entre estes (conflitos de agência). Isso por causa de algumas práticas, até então, comuns entre os gestores, como, por exemplo, a busca exacerbada de status, altas remunerações, a preferência por crescimento em detrimento de retornos, além de diversas formas de benefícios autoconcedidos.

Mas não existem somente os conflitos entre acionistas e gestores nas companhias, sendo estes próprios daqueles sistemas em que o capital social é pulverizado (caso dos Estados Unidos, p. ex.). Há outrossim, nos sistemas em que ocorre a concentração de boa parte do capital em um único (ou em alguns) sócio (s), o (s) acionista (s) controlador (es), conflitos entre este (s) e os demais, os minoritários. No primeiro caso, é a dispersão da propriedade e a separação entre esta e a gestão é que dão margem ao oportunismo do gestor.

No segundo, o que favorece o mesmo tipo de atuação por parte do acionista controlador é a concentração da propriedade nele e a sobreposição entre esta e a gestão. Entretanto, só analisaremos esta segunda hipótese (vale dizer, do conflito entre o acionista controlador em face dos minoritários) mais à frente, quando tratarmos da governança corporativa no Brasil, já que é o problema predominante em nosso país. 

A essência do problema de agência (e que, vale dizer, se coloca como objeto da governança corporativa), portanto, é a separação entre gestão e financiamento; entre propriedade e controle. O empresário empreendedor levanta recursos dos investidores, quer para financiar a atividade da empresa, quer para retirar desta sua participação. Têm-se, de um lado, os investidores, que necessitam de gestores especializados para fazer com que seu capital gere lucro, e, de outro, os gestores, que precisam angariar fundos para a concretização de seus planos, uma vez que ou não tem capital próprio suficiente para investir, ou querem mais dinheiro para suas explorações. Mas como podem os investidores ter certeza de que não estão trocando seu capital por um mero pedaço de papel sem valor? O problema de agência, neste contexto, refere-se às dificuldades de assegurar que os investimentos financeiros não serão expropriados ou desperdiçados com projetos pouco atraentes.[18]

Passou-se, assim, a desenvolver modelos de boas práticas de governança corporativa como ferramenta com o potencial de impedir a expropriação dos recursos dos investidores, sendo, particularmente, esta sua forma inicial.

3.1.2.3            Articulações da governança corporativa

O movimento de globalização[19], acelerado na virada do século XX para o XXI, desencadeou processos de desfronteirização dos mercados reais e financeiros, possibilitando a formação de uniões nacionais, mercados comuns, áreas de livre comércio e acordos bilaterais, com forte impacto no mundo corporativo. Ao mesmo tempo, as sociedades passaram a se reestruturar através de privatizações, fusões, cisões, aquisições, alianças estratégicas, associações e controle consorciado. Sem esquecer aquelas mudanças societárias decorrentes de processos sucessórios, que modificavam o controle acionário, juntamente com acordos entre os acionistas remanescentes. Tudo isso levou a profundas alterações no ambiente de negócios, com novas estruturas de competição e complexidade crescente, cenário de incertezas, riscos, turbulências, de aumento contínuo de velocidade e profundidade das mutações, exigindo-se realinhamentos estratégicos que possibilitassem respostas às macromudanças.[20]

Era necessário, pois, focar na postura daqueles que determinariam os rumos das sociedades (gestores) – de igual modo, também, os rumos do capital alheio – para evitar condutas desleais, abusivas ou, de qualquer forma, desalinhadas com os interesses das pessoas afetadas pela atividade empresarial, tendo em vista a nova atmosfera de dinâmica e alta complexidade em que se envolviam as sociedades por ações.

Esse novo ambiente empresarial requereu revisões institucionais que iam desde uma regulação legal mais abrangente e severa (principalmente no que concerne à da atuação dos administradores das sociedades) a novas posturas por parte dos próprios participantes do mercado de capitais.

Tais tendências, de outro lado, também foram deflagradas por diversas reações a escândalos corporativos, os quais tinham como pano de fundo os conflitos de agência, bem como abusos, manipulações e uso indevido de informações privilegiadas por parte de gestores de certas companhias (“insider trading”) – tudo face à grande autonomia destes proporcionada pelo divórcio entre a propriedade e a gestão do capital; pela pulverização deste, que desfavorecia a fiscalização pelos acionistas dispersos.

Nesse embalo de remodelação sistêmica, nasceram alguns códigos de governança corporativa[21], frutos de grupos de interesse e organizados, instituições multilaterais e do mercado acionário, com vistas a modelos mais avançados de gestão, e tornou-se essencial a reconstituição dos conselhos de administração, para impor maior clareza na separação de papéis entre acionistas, direção executiva e conselhos, favorecendo um controle preventivo contra a ganância e fraude.

Não obstante as pressões nas empresas partissem de todos os lados, os investidores institucionais (Fundos de Pensão e Fundos de Ações) destacam-se como os principais personagens que favoreceram o acato, pelas companhias, das novas práticas de governança corporativa que lhes começaram a ser impostas. Estes, vale dizer, lideraram, em todo o mundo, o movimento a favor da ação de melhores práticas de governança corporativa. Merecem, portanto, algumas considerações, pelo que o faremos a seguir.

3.1.2.4            Os novos minoritários (investidores institucionais)

A noção que se tinha dos acionistas minoritários, aos poucos, foi sendo modificada pelos investidores institucionais, que romperam com a postura passiva, até então predominante, e passaram a ser atuantes, culminando na introdução de novas práticas de governança corporativa nas sociedades de capital aberto.

Ora, antes, o minoritário era, em regra, uma pessoa física que aplicava seus próprios recursos nas bolsas e não se preocupava em acompanhar os atos de administração da sociedade. Em verdade, nem comparecia às assembléias, porquanto era inexpressivo o número de ações em seu poder em relação ao total daquelas com direto a voto, de forma que não tinha qualquer força deliberativa nas votações ou esta era insignificante. Era, por assim dizer, apenas um sócio passivo.

Porém, conforme foi evoluindo o mercado de capitais, passaram a estar entre os minoritários, também, os grandes investidores institucionais (Fundos de Pensão e Fundos de Ações), com força de atuação e dimensões muito maiores. Estes, por sua vez, sendo compostos por especialistas profissionais e atuando em nome e interesse de outras pessoas, tinham, obrigatoriamente, de ser atuantes, bem como de cobrar certas posturas dos administradores e controladores, a fim de garantir a segurança das operações e o máximo retorno de suas aplicações.

Esse novo perfil dos minoritários não poderia ser diferente. As pessoas físicas, por exemplo, se insatisfeitas com a gerência da sociedade, tinham a opção de, simplesmente, vender suas ações. Todavia, se os fundos fizessem o mesmo, afetariam seu próprio patrimônio indiretamente. A solução para estes, então, seria passar a fazer o monitoramento institucional das empresas de perto, intervindo nelas diretamente, exigindo informações mais detalhadas e inspecionando sua administração, garantindo, dessa forma, o sucesso de seus investimentos.

Houve, pois, uma evolução do conceito de minoritários, considerando que, a partir daí, estes não apenas se preocupariam com a obtenção de simples informações, mas passariam a atuar politicamente, haja vista que os fundos já representavam boa parte do mercado de compra e venda de ações. Daí a conclusão de que dentre as ações de reação contra o excesso de poder dos administradores, as de maior impacto e relevância foram as dos Fundos de Pensão e dos Fundos de Ações como novos acionistas minoritários. [22]

As sociedades, destarte, tiveram de se adaptar às novas exigências, implementando determinadas práticas de governança corporativa sugeridas pelos investidores, sob pena de se tornarem pouco atraentes a estes.[23] Dentre as principais posturas reclamadas pelos fundos, destacam-se a de exigir maior transparência (“full disclosure”) acerca da evolução da empresa, com amplas informações dos projetos da companhia, e não somente restritas a balanços patrimoniais.

É relevante frisar, ainda, outra alteração significativa da posição dos minoritários, reforçada pelos fundos, qual seja, a capacidade de participação deles nos Conselhos de Administração e comitês ou a possibilidade que passaram a ter de indicar representantes independentes para integrá-los. Com isso houve um reforço dos poderes deste órgão, bem como de suas competências, evitando que, como antes, ocorresse a submissão de seus integrantes perante os controladores ou aos diretores. Criou-se, assim, nas palavras de Arnold Wald, “um novo equilíbrio de poderes entre a Diretoria e o Conselho. Este é o órgão deliberativo, o eleitor e o fiscal da atuação da Diretoria, representando, em certo sentido, o papel exercido, no plano político, pelo Congresso em relação ao executivo. Por sua vez, a Diretoria é o órgão de execução, que concretiza a política, as deliberações e os planos do Conselho.” [24]

3.1.3                Configuração no Reino Unido

Assim como nos Estados Unidos, a maioria das companhias do Reino Unido tem seu capital pulverizado. Conseguintemente, tudo o que foi dito acima, sobre as conseqüências disto, valem também aqui. Só que, neste país, os rumos da estruturação da governança corporativa foram um pouco diferentes dos daquele.

É que, somente a partir da década de 80, o tema passou a ser debatido, realmente, pelos ingleses, em nível de legislação, por conta de diversos escândalos em seus mercados corporativo e financeiro. Tem-se que o marco inicial representativo da implantação, de fato, dos primeiros mecanismos de boas práticas de governança corporativa por eles, foi em 1992, com a publicação de um relatório chamado “The Financial Aspects of Corporate Governance”, de um grupo de trabalho denominado Comitê “Cadbury”, criado pela Bolsa de Valores de Londres (“London Stock Exchange), relacionado com a definição de formas para procedimentos contábeis e financeiros.[25]

Já a partir de 1981, o Banco da Inglaterra passou a defender a presença de membros independentes no Conselhos de Administração. E com a finalidade de estabelecer equilíbrio de poderes entre o Presidente da empresa (“Chief Executive Officer”) e o Conselho de Administração, garantindo o efetivo controle da atuação e do desempenho da diretoria através de reuniões regulares, o Comitê “Cadbury”, em 1992, aprovou o “Code of Best Practice”.[26]

Com o avançar dos tempos, aos poucos, as boas práticas de governança corporativa foram sendo ampliadas, compreendendo padrões de conduta também em relação à remuneração dos diretores, ao Conselho de Administração, aos auditores e aos direitos dos acionistas. E mais recentemente, seguindo a tendência de adoção de características de sistemas com foco nos “stakeholders”, as empresas inglesas, por força da própria legislação que lhes é aplicável, vêm procurando atender, outrossim, objetivos comunitários. Nesse sentido, ainda, há estímulo legal para que fundos de pensão apliquem seus recursos em sociedades que primam por práticas sociais que preservem o meio ambiente, e éticas. [27]

3.1.4                Configuração na Alemanha

Na Alemanha, prevalece a chamada economia social de mercado, em consonância com o princípio que emana da própria Constituição da República alemã, que a considera como um Estado Social. [28] Neste sistema de governança corporativa, predomina o modelo de equilíbrio dos “stakeholders”, não sendo, portanto, o principal foco dos administradores o aumento das riquezas dos acionistas.

Essa forma que, em primeiro lugar, foca na sociedade – no sentido de coletividade de pessoas que convivem em determinado espaço – é fruto do desenvolvimento industrial alemão, sob a égide de um Estado bastante intervencionista. E há quem afirme que o motivo por que tal modelo preza tanto pelo equilíbrio de interesses, reside em traumas passados, tais como, por exemplo, as guerras mundiais, a hiperinflação, as reformas monetárias e a reintegração com a Alemanha Oriental, que elevaram a colaboração mútua como valor social essencial.[29]

Tal perfil de governança acaba proporcionando, por conseguinte, formas de gestão coletiva das empresas, uma vez que o objetivo é resguardar a todas as pessoas, e não apenas os sócios das companhias. Estas, afastando um poder excessivo concentrado – fenômeno que, de fato, ocorreu no século XX, na Alemanha, pelo que esta reage até hoje, tendo em vista as marcas que ficaram do passado –, distribuem competências entre o conselho de gestão (responsável pela operação da companhia), e o presidente (indicado por aquele para representar a empresa e orientar o trabalho de seus membros), de modo que ambos dividem as decisões, não havendo um principal para a tomada destas.[30]   

Por outro lado (e por conseqüência desse molde social), é característico do modelo de governança alemão o fato de não ser muito evoluído o seu mercado acionário. Na verdade, predominavam as participações cruzadas, com concentração de controle nos bancos, sendo que, somente num passado muito recente, facilitou-se o desinvestimento por parte destes, através de normas oriundas de políticas com fulcro na limitação de suas atuações como principais. [31]

Juliana G. Vilela [32] explica que “o fortalecimento do mercado de ações do país teve grande impulso com a criação do “Neuer Market” [33] da Bolsa de Valores de Frankfurt, que vem alcançando seu principal objetivo, qual seja, o de canalizar capital de risco para novas empresas. O “Neuer Marketé dirigido às pequenas e médias empresas do setor de tecnologia, mídia e telecomunicações, as quais devem ter um grau elevado de transparência. As regras de listagem e de permanência são muito rígidas, exigindo que as empresas adotem as melhores práticas de governança corporativa, como o princípio “one share, one vote.[34] Portanto, nesse mercado só são negociadas ações ordinárias, podendo ser adotado o padrão contábil norte-americano US GAAP[35] ou o internacional IASB.”[36]

Cabe consignar, outrossim, que, nas últimas décadas do século passado, aos poucos, as empresas alemãs passaram a adotar determinadas regras de transparência e de divulgação de informações, semelhantes às do modelo anglo-saxão. Esse movimento, em grande medida, deveu-se ao acesso das companhias nas Bolsas de Valores de Nova York e de Londres – haja vista o estabelecimento de um ambiente, cada vez mais envolvente, de globalização, que embala com suas forças –, pelo que as normas alemãs foram sendo compatibilizadas com as de proteção aos minoritários, mas sem perder a forma de economia social de mercado.

3.2    A governança corporativa no Brasil

3.2.1                Configuração

Não existia, realmente, até a segunda metade do século XX, um efetivo mercado de capitais no Brasil. Nem se falava, conseguintemente, em governança corporativa, porquanto as empresas eram governadas de forma arbitrária, pelo acionista majoritário, vale dizer, como se fosse exclusivamente sua. [37]

O governo brasileiro só veio a reconhecer a importância do mercado de capitais quando se deu conta da decadência do modelo de financiamento produtivo adotado até então, com base em créditos subsidiados por ele próprio, que culminou num alto endividamento do Estado.

A fim de favorecer o crescimento do país, foi necessário desenvolver mecanismos de captação de recursos, dentre os quais se destacou o modelo de financiamento direto ou modelo americano, por meio do qual é possível a captação direta de capital dos investidores, pelas companhias, subsidiando, assim, as atividades produtivas destas.

Foi nesse compasso de remodelação (ou construção, sob outra óptica mais crítica) do nosso mercado de capitais, com forte influência da estrutura que se desenvolvia no direito dos Estados Unidos da América, que nasceu a Lei nº 6.404, de 1976, a qual solidificou no ordenamento jurídico brasileiro, mecanismos de responsabilidade do acionista controlador e dos gestores. Com este diploma legal, segundo os ensinamentos do professor Arnold Wald [38], o Brasil definiu, em termos modernos, os princípio básicos do direito societário, inclusive e especialmente para a sociedade aberta. Estabeleceram-se, pois, além de outras, normas que:

  1. Definiram os poderes e a responsabilidade do acionista controlador, dele exigindo uma conduta não só lícita, mas também de boa-fé e impregnada de lealdade (regra que, na época, não existia na maioria das legislações européias);
  2. Exigiram, nas sociedades abertas, e permitiram, nas demais, a criação do Conselho de Administração, que a lei também regulamentou quanto à sua composição e competência;
  3. Consagraram o voto cumulativo, permitindo a presença de minoritários no Conselho de Administração;
  4. Asseguraram o direito de recesso de forma adequada;
  5. Deram aos acionistas ordinários minoritários a possibilidade de vender as suas ações ao novo adquirente do controle, em condições igualitárias ou equitativas em relação à alienação feita pelo antigo controlador (tag along) que estava alienando a sua participação; e
  6. Garantiram a execução específica dos acordos de acionistas, dando-lhes importância que anteriormente não tinham, pois, no passado, resolviam-se em eventuais perdas e danos apuráveis em ações ordinárias, cujo julgamento era muito demorado e imprevisível.

Também com base no modelo norte-americano, com a Lei nº 6.385, de 1976, foi criada a CVM – Comissão de Valores Mobiliários (inspirada na “SEC – Securities Exchange Commission”norte-americana), com responsabilidade sobre o mercado de valores mobiliários, tendo competência para regulamentar e fiscalizar práticas das sociedades anônimas, bem como impor sanções por faltas cometidas por estas.

A partir desses dispositivos legais, foi-se – sendo que, de fato, ainda se está – estabelecendo um novo cenário jurídico e ético para a atuação daquelas sociedades que contam com capital público, tendendo a acabar com uma fase de liberdade exacerbada e de abusos irrepreensíveis por parte de controladores e gestores, por meio da inserção de mecanismos de regulação, pelo Estado, das práticas concernentes às sociedades por ações. Seriam os primeiros passos em direção ao estabelecimento, no Brasil, do conceito de governança corporativa.

Ora, para atrair recursos diretos, faz-se o mister de estabelecer regras que garantam aos investidores proteção contra abusos, bem como garantias de que seus investimentos serão geridos adequadamente, com responsabilidade, de forma que lhes seja possível ter (expectativa) de que não serão expropriados pelos gestores ou controladores, uma vez que, sem isto, não terão qualquer estímulo para injetar seu capital no empreendimento da companhia; para entregar suas poupanças aos administradores desta.

O fomento ao desenvolvimento do mercado de capitais, então, teve de começar com a arquitetura de garantias jurídicas aos investidores e de prescrições normativas aos controladores e gestores, combinadas com normas de estabelecimento de padrões de definição e organizativos das possíveis formas de administração corporativa, com a distribuição de competências dentro da própria organização social e previsão de diretrizes de conduta, sob a perspectiva do equilíbrio de direitos, deveres e poderes das partes envolvidas.

Houve, realmente, no Brasil, uma mescla do modelo norte-americano e do reino unido – do ponto de vista dos “shareholders” – com a visão social predominante na Alemanha – que considera e protege também os interesses dos “stakeholders”. Vale dizer, procurou-se desenvolver uma fórmula tal ao mercado de capitais, que, de um lado, pudesse proporcionar o seu progresso – isto é, a eficiência para a canalização da poupança diretamente às empresas, atraindo cada vez mais recursos de investidores, só que dando segurança a estes quanto à efetividade do sistema – e, ao mesmo tempo, resguardasse outros interesses, inclusive extra-societários, sob o manto da verdadeira função social da empresa. Nesse tom, o modelo de governança corporativa peculiar brasileiro, embora, ainda, incipiente.[39]

De outro lado, é importante destacar que, com a internacionalização do nosso mercado, com a abertura da economia brasileira e com um cenário econômico mais equilibrado, na medida em que agentes estrangeiros começavam a participar, cada vez mais, nas nossas companhias abertas, estas tiveram de rever seus comportamentos, para atrair investimentos destes novos agentes, visto que eles já se alinhavam com posturas mais exigentes no que tange às práticas de governança da sociedade.[40]

A abertura aos investimentos estrangeiros, destarte, sejam os realizados aqui, sejam pela aquisição de ADRs[41], também colaborou para que fossem introduzidas em nosso meio, práticas mais aprimoradas de relação com investidores, acionistas minoritários e analistas de mercado, aperfeiçoando as políticas de divulgação de informações nas empresas brasileiras. [42]

3.2.2                A estrutura da propriedade como aspecto intrínseco e determinante do modelo de governança

A estrutura da propriedade acionária que prevalece no Brasil é a concentrada. Há concentração não somente nas empresas familiares, mas também nas multinacionais estrangeiras[43]. Levantamentos amostrais significativos revelam que grande parte do controle das empresas, correspondente a 47% destas, é predominantemente familiar. Em regra, o controlador (ou grupo de controle) tem mais de 75% das ações ordinárias emitidas, aproximadamente, 27% das empresas têm acordos de acionistas e 82% operam com estruturas piramidais de controle. [44] 

Tal estrutura concentrada reflete diretamente no nosso modelo de governança corporativa. A questão da separação entre propriedade e gestão acaba ficando de lado, deixando-se de dar a devida importância que a relação entre ambas merece. O conflito de agência, então, neste caso, não é entre proprietários e administradores, mas, sim, entre controlador (es) e minoritários. Daí o fato do predomínio de ações sem direito a voto (chamadas ações preferenciais) na maioria das companhias brasileiras.

Juliana G. Vilela observa que essa estrutura de propriedade concentrada decorre sobretudo do ambiente legal e macroeconômico doméstico preponderante no país, isto é, pautado por uma baixa eficiência da atuação judiciária, o que significa proteção legal insatisfatória aos investidores, bem como por décadas de economia instável, com ambiente de altas taxas de inflação. Por isso, a evolução do cenário macroeconômico para um contexto de maior estabilidade exige a implementação das devidas reformas legal e institucional no que se refere à estrutura que regula o mercado de capitais e ao efetivo funcionamento das regras de governança corporativa.[45]

3.2.3                Os problemas do controle acionário

Realmente, quando há concentração acionária, pode-se cogitar em benefícios, mas, ao contrário, também há grande chance de prejuízos à empresa. Benefícios porque o acionista controlador, por ter grande parcela do investimento na companhia, tem incentivo para exercer maior monitoramento da administração, atenuando o problema do “freerider”[46], evitando maiores custos de agência.[47]

Por outro lado, se os interesses dos acionistas controladores não estiverem alinhados com os dos demais (minoritários), haverá grande prejuízo à companhia, bem como a estes, o que, consequentemente, influirá negativamente no mercado de ações. A título de exemplo das várias formas por meio das quais os controladores poderiam abusar do poder de controle, poderíamos citar as seguintes, dentre outras: nomeação de parentes, amigos ou de si próprios, independentemente de ser pessoa capacitada, para funções privilegiadas na empresa; estabelecimento de remunerações excessivas a pessoas a eles ligadas ou a si mesmos; negociação com outras empresas suas, em benefício destas e em detrimento da controlada (vale dizer, em prejuízo dos minoritários) etc.[48]

E, logicamente, quando se prejudicam os minoritários, fomenta-se a falta de credibilidade por parte dos investidores, no mercado, levando ao afundamento gradativo deste como meio de captação de recursos às companhias, o que acaba, por conseqüência, prejudicando as empresas, formando um ciclo vicioso que tende a atingir a comunidade como um todo.

Outro ponto relevante, inerente à estrutura da propriedade, e que deve ser levado em consideração ao se tratar de governança corporativa, está ligado à possibilidade de que um (ou alguns) acionista (s) controlador (es) tenha (m) muito poder, sendo titular (es), em contrapartida, de uma participação inferiormente desproporcional em relação ao capital social – isto é, em termos simplistas, exerça o controle exacerbado com participação equivalente a menos da metade do capital. Essa é, também, uma forma de expropriação dos minoritários, pelo controlador, porquanto este, sem contribuir, de fato, com a maior parte dos investimentos, a um só tempo, acaba detendo poder de controle (com recursos alheios) e transferindo parte de sua responsabilidade perante o capital social, aos demais acionistas, em prejuízo destes.

Essas situações, características no modelo brasileiro, acabam reduzindo os benefícios da existência de um acionista controlador, e são facilmente propiciadas por conta da possibilidade de existirem ações sem direito a voto (ações preferenciais). Isto sem falar na utilização de esquemas, como os piramidais, por exemplo, que também favorecem o controle com pouco capital investido.

De outro lado, não raro, o conselho de administração (a quem cabe as orientações gerais dos negócios e fiscalização da gestão dos executivos em prol de todos acionistas), que deveria ter uma postura ativa e independente em face do acionista controlador, pelo fato de, via de regra, ser composto, predominantemente, por pessoas indicadas por este, tende a ser-lhe submisso, deixando de velar pelos interesses dos minoritários. Estes, portanto, nesta hipótese, ficam ainda mais expostos à expropriação.[49]

Ademais, poderíamos destacar o momento da transferência do controle como sendo aquele em que se revela com maior intensidade o conflito entre empresa e minoritários. Isso porque ficam muito discrepantes os valores de mercado das ações ordinárias em comparação com as preferenciais, em prejuízo destas.

Em síntese, o fato é que, até então, são poucas as companhias que consideram os interesses dos minoritários, por conta de conflitos de interesses entre estes e os controladores. As relações daqueles com as empresas, em geral, acabam sendo, em regra, conflituosas. Ainda predomina a alta concentração da propriedade acionária e a sobreposição da propriedade na gestão, sendo os conflitos de agência, em sua maioria, configurados entre majoritários e minoritários. E, infelizmente, estes ainda têm pouca proteção legal.[50]

4         O sistema de governança corporativa brasileiro

Diversos mecanismos de governança corporativa vêm sendo desenvolvidos no Brasil, no intuito de garantir maior equidade nas relações concernentes às sociedades por ações, bem como com o fito de proporcionar verdadeira efetividade ao mercado de capitais, como uma real alternativa de capitalização das empresas.

Nos últimos anos, muitas companhias, num novo ambiente globalizado e de maior competitividade, espontânea e gradativamente, vêm passando a adotar melhores práticas de governança corporativa, como forma de ampliar o acesso aos mercados de capitais (vale dizer, nacional e internacional), a fim de reduzir o custo do capital (isto é, obter recursos com o menor custo possível).

Começou-se a levar em consideração que empresas com determinados padrões de práticas – como, por exemplo, alto nível de transparência no transmitir informações ao mercado, de prestação de contas aos interessados, de garantias de proteção de interesses dos acionistas minoritários, de profissionalização dos membros dos órgãos sociais, etc – têm mais condições de atrair recursos a baixo custo. É que, quando dá maior proteção ao acionista, transmitindo-lhe segurança através da adoção de padrões de gestão empresarial diferenciados, a companhia, em contrapartida, se torna mais atraente aos investidores, reduzindo, pois, com isso, o custo do capital ao seu empreendimento.

Todavia, afora o fato de que muitas empresas têm adotado (espontaneamente) determinadas práticas, com vistas ao melhor acesso ao mercado de capitais, a verdade é que são diversas as iniciativas que as vêm pressionando a tanto, em contribuição ao aprimoramento da governança corporativa. Todo um conjunto de atos e posturas (governamentais, institucionais e dos próprios mercados, daqui e do exterior) tem composto uma teia de instrumentos inclinados a estabelecer os ditames da atuação empresarial.

Um dos principais impulsos ao movimento ocorreu em 1995. Com a intenção de fortalecer a atuação dos conselhos de administração, um grupo de 36 pessoas, entre empresários, conselheiros, executivos, consultores e estudiosos, fundou o Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração – IBCA. Com o tempo, o foco foi ampliado para questões de propriedade, diretoria, conselho fiscal e auditoria independente e, em 1999, o Instituto passou a se denominar Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Foi o responsável pela publicação do primeiro Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do país, orientando as empresas acerca das melhores condutas a serem adotadas para o desenvolvimento sustentável das organizações e influência dos agentes da sociedade no sentido de maior transparência, justiça e responsabilidade. [51]

O Código tem como princípios os seguintes[52]:

Transparência (“disclosure”): Mais do que a obrigação de informar é o desejo de disponibilizar para as partes interessadas as informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas impostas por disposições de leis ou regulamentos. A adequada transparência resulta em um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. Não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, contemplando também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem à criação de valor;

Equidade (“fairness”): Caracteriza-se pelo tratamento justo de todos os sócios e demais partes interessadas (stakeholders). Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis;

Prestação de Contas (“accountability”): Os agentes de governança[53] devem prestar contas de sua atuação, assumindo integralmente as consequências de seus atos e omissões; e

Responsabilidade Corporativa (“compliance”): Os agentes de governança devem zelar pela sustentabilidade das organizações, visando à sua longevidade, incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.

Já no ano de 2001, vieram a Lei nº 10.303 (que ficou conhecida como “a nova Lei das S/As”) e a Medida Provisória nº 8, incrementando e aprimorando a legislação anterior, de forma a equilibrar as relações entre os diversos participantes das companhias, através de mecanismos de distribuição de competências, fiscalização e controle entre os órgãos societários, entre si, com o fito de tornar mais justa e equitativa a regulamentação, abrindo-se caminho à democratização e moralização do mercado de capitais.

Dentre as inovações da nova lei, pode-se destacar que[54]:

– garantiu maior proteção ao minoritário no caso de fechamento do capital;

– prescreveu a obrigatoriedade de oferta pública de aquisição de ações pelo valor econômico aos ordinaristas minoritários em caso de cancelamento do registro de companhia aberta ou elevação da participação acionária a porcentagem que impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes ou em caso de fusão ou de aquisição;

– fixou obrigatoriedade de o adquirente do controle de companhia aberta realizar oferta pública de aquisição das ações ordinárias dos demais acionistas da companhia, em caso de alienação direta ou indireta de controle;

– estabeleceu a necessidade de maior garantia financeira ao preferencialista;

– possibilitou a eleição de um membro do Conselho de Administração, tanto por preferencialistas que representem, no mínimo 10% do capital social, ou por minoritários titulares de, pelo menos, 15% das ações votantes, como, eventualmente, por empregados;

– regulamentou novamente o recesso;

– deu maior eficiência e coercitividade do Acordo de Acionistas;

– assegurou o tratamento equitativo em favor dos minoritários no caso de alienação do controle, “tag along”;

– previu a arbitragem; e

– tipificou crimes contra o mercado de capitais, em repressão a determinadas condutas.

Ainda em 2001, por parte do Estado, para garantir maior efetividade das regras que se colocavam, foi editada a Medida Provisória nº 8, que estabeleceu que a CVM passaria a ter posição de agência reguladora autônoma, ampliando seus poderes e competências, tornando-se mais robusta para cuidar do mercado de valores mobiliários. 

Neste mesmo ano, a Bolsa de Valores de São Paulo também atuou no sentido de favorecer a disseminação de boas práticas de governança, através da criação de segmentos especiais de listagem no mercado, destinados a empresas com padrões superiores de governança corporativa. Fora o mercado já existente, nasceram mais três segmentos diferenciados (com base no nível de governança das empresas nele listadas), quais sejam: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. [55]

A idéia é a seguinte. Para serem incluídas num destes segmentos, as empresas devem adotar determinadas posturas mais aprimoradas de governança corporativa. Em contrapartida, podem ser mais valorizadas por isso, haja vista a possibilidade de aumento do interesse dos investidores, em relação a elas (por conta do diferencial que possuem, no que tange aos padrões de conduta corporativos).

Ademais, dentre outras atitudes que contribuíram (e contribuem) à solidificação dos mecanismos de governança corporativa, destacam-se, outrossim, as recentes regras da Secretaria de Previdência Complementar – SPC, conforme a Resolução nº 2.829, de março de 2001, para a definição dos limites de aplicação dos fundos de pensão, com base na adesão de níveis diferenciados de governança corporativa da Bovespa[56]; as novas posturas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDS, ao patrocinar a capitalização de empresas, com vistas a estimular a adoção de práticas adequadas de governança corporativa[57]; e o estímulo, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, através de sua Cartilha de Governança Corporativa, de junho de 2002, para condutas pautadas em padrões diferenciados neste sentido[58].

Tem sido nesse compasso, de diversas iniciativas independentes, a par das inovações de prescrições do ordenamento jurídico, que vem se solidificando a governança corporativa no Brasil, constituindo, gradativamente, um novo conhecimento, com o objetivo de estabelecer a arquitetura ideal ao desenvolvimento sustentável das companhias e do mercado de valores mobiliários, o que se traduz no progresso do país como um todo.

5         Conclusão

Verificamos que, por detrás da governança corporativa, as relações que mais se destacam como conflituosas são duas: aquelas entre acionistas e gestores, nos mercados em que predominam as companhias com capital social pulverizado, e as entre controladores e minoritários, quando as sociedades têm o capital concentrado, sendo esta a situação corrente no Brasil. Já, aqui, é possível estabelecer uma premissa fundamental: a de que as boas práticas de governança corporativa serão aquelas que, no primeiro caso, estejam alinhadas com os interesses dos acionistas e, no segundo, com os dos acionistas minoritários.

Entretanto, além desses, há outros interesses existentes, como os dos empregados, os dos consumidores, o da comunidade local etc. Estes ainda não têm, realmente, recebido uma atenção especial quando se fala em boas práticas de governança corporativa, não obstante haja uma tendência neste sentido, conforme já aponta a própria legislação ao reconhecer que a empresa deverá atender à sua função social.

Verdadeiramente, nesse compasso, o Brasil progrediu muito a partir das últimas alterações legislativas concernentes às companhias por ações e ao mercado de capitais, conquanto, vale dizer, de forma um pouco acanhada. Houve, de fato, um grande impulso ao progresso do nosso mercado de capitais, com a implantação daquelas regras de governança corporativa, bem como com o fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Mas ainda há que se trabalhar bastante em vários sentidos, como, por exemplo, dentre outros: para dar efetividade à responsabilidade, tanto dos membros dos órgãos sociais como dos controladores; para resolver a questão das ações preferenciais, que ainda são prejudicadas sob diversos aspectos; para impor maior transparência, visto que a maioria das empresas ainda não tem uma cultura de facilitar o acesso às informações nem de efetiva prestação de contas; e para fortalecer o Conselho de Administração, que, em geral, não é composto por profissionais e ainda é submisso à diretoria. 

Constatamos, ainda, que a tendência para o futuro, tem apontado para o sentido de mesclar o modelo de governança que foca nos “shareholders” com o que engloba, também, os “stakeholders”. Significa dizer resguardar os interesses dos acionistas, garantindo-lhes agregação de valor às suas ações, contudo sem deixar de observar a função social da empresa.

Todavia, ainda há muito que fazer para estruturar a economia com sucesso, de modo a prevalecer a lealdade, a boa-fé, a ética e a equidade sobre o poder econômico. Este deverá ser o objetivo primordial do aplicador do direito ao lidar com a governança corporativa.

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[1]SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert W. A survey of corporate governance. Journal of Finance. v. 52, n. 2, p. 737-783, 1997, p 737. No original: “The fundamental question of corporate governance is how to assure financiers that they get a return on their financial investiment.”         

[2] IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Disponível em: http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17. Acesso em: 24/05/2010.

[3] DA SILVA, Edson Cordeiro. Governança Corporativa nas empresas: Guia prático de orientação para acionistas e Conselho de Administração. Novo Modelo de Gestão para Redução do Custo de Capital e Geração de Valor ao Negócio. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1.

[4]FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Manual de direito comercial, volume 2: sociedade anônima e mercado de valores mobiliários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 191.

[5] OECD – Organização para cooperação e desenvolvimento econômico. Os princípios da OECD sobre o Governo das Sociedades, p. 11, Disponível em: <www.oecd.org/daf/corporateaffairs/principles/text>. Acesso em: 24/05/2010.

[6] Cf. ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 122-128.

[7] O Governo das Empresas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, São Paulo. v. 5. nº 15, 2002, p. 53-78.

[8] Fábio Konder Comparato (O poder de controle na sociedade anônima. 5ª Ed.Rio de Janeiro: Forense, 2008.), discorrendo sobre o fenômeno do poder nas sociedades de capitais, corrobora o entendimento ensinando que “a disciplina da sociedade anônima constitui, atualmente, o autêntico ‘direito constitucional’ da atividade econômica”. E mais à frente, complementa: “A tarefa primordial e inadiável do jurista, nessa matéria, consiste, portanto, em procurar corrigir o descompasso entre o sistema jurídico e a realidade social, em função dos valores da justiça econômica. Trata-se, em primeiro lugar, de reconhecer, explicitamente, a necessidade do poder, como elemento fundamental da economia societária, deixando-se, por conseguinte, de considerá-lo como simples fato extrajurídico. Trata-se, ademais, de disciplinar-lhe o exercício, assinando ao seu titular os deveres e responsabilidades de que, tradicionalmente, se considera desvinculado por completo.”

[9] Cf. Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 55 ss.

[10] Ibid., p. 53-54: “no direito brasileiro, descabe caracterizar a sociedade anônima como corporação, tratando-se de um anglicismo condenável, não só por respeito à língua nacional como também pela associação de idéias que pode acarretar. Na língua portuguesa, corporação tem o sentido de associação profissional, sendo inclusive uma reminiscência medieval.[…] Acresce que os adjetivos corporativo e corporativista têm sentido pejorativo, dando a idéia de prevalência de interesses de um grupo ou de uma classe. Ao contrário desta noção, o termo “governo das empresas” pretende denominar a renovação da entidade, atendendo aos interesses de todos aqueles que a integram ou com ela colaboram. […] Além disso, a palavra governança não nos parece a mais adequada, já que nos referimos ao governo da sociedade, numa situação paralela ao estudo que se faz, em direito público, do governo de um país, seja ele democrático ou totalitário.” 

[11] Cf. Adriana Andrade; José Paschoal Rossetti, Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências, p. 28-59.

[12] Cf. MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do direito: dos modernos aos contemporâneos. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 19: “A ruptura do feudalismo enseja novas demandas sociais e perspectivas filosóficas diversas das medievais. O mundo estático, típico da economia feudal, dá lugar à dinâmica das relações de troca, ao comércio, ao contato entre povos, à aventura. As grandes navegações abrem novas perspectivas e conhecimentos. Nesse mundo novo, as relações sociais tornam-se mais complexas.” E mais à frente, p. 38 e 39: “O Absolutismo, justificado pelo Direito Divino, estabelecendo uma diferença entre estamentos sociais – nobreza, clero e povo –, impedia o avanço capitalista, à medida que não havia liberdade negocial à classe burguesa, tampouco igualdade de tratamento em relação à nobreza. A burguesia, sendo juridicamente parte do povo, não participava dos privilégios nobres. As revoluções liberais – a começar da mais antiga, a inglesa, passando pela Independência dos EUA e principalmente pela Revolução Francesa – alteraram o estatuto político, social, econômico e jurídico ocidental.[…] A filosofia iluminista é claramente antiabsolutista: reclamando a universalidade de certos direitos, próprios a todos os indivíduos, a filosofia moderna rejeita os privilégios, o status quo, o estamento, as divisões que davam base ao Antigo Regime. A igualdade de todos os indivíduos perante a lei e a ampla liberdade de negócios, que são fundamentos da atividade capitalista, passam a ser bandeiras da luta filosófica burguesa, iluminista, contra o Absolutismo.”

[13]  Em que pese a análise, neste tópico, ter sido delineada dentro do contexto dos Estados Unidos, este, ressaltamos, serve de paradigma à aplicação dos mesmos raciocínios em relação ao sistema das sociedades anônimas nos outros países

[14] Cf. Adriana Andrade; José Paschoal Rossetti, Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências, p. 58 ss. No decorrer do texto, os autores consideram que: “Em 1967 as operações industriais nos Estados Unidos já estavam altamente concentradas: 70% eram realizadas por grandes companhias abertas, cujas ações ordinárias estavam dispersas nas mãos de 22 a 23 milhões de pessoas físicas, número que em 20 anos ficaria entre 40 e 50 milhões. Essas pessoas são, de direito, as proprietárias das companhias. Mas, de fato, como não têm nem exercem o controle, os proprietários usufrutuários são os administradores”.

[15] Cf. Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 60-61.

[16] Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure, Journal of Financial Economics, October, V. 3, No. 4, pp. 305-360, 1976.

[17] Esta é uma síntese do modelo geral no mundo. Cf., para maiores informações acerca do contrato de agência, e com foco no modelo brasileiro: FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: Direito Civil e Empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 228 ss.

[18] Cf. Andrei SHLEIFER; Robert W. VISHNY. A survey of corporate governance, p 740-741: “The essence of the agency problem is the separation of management and finance, or-in more standard terminology- of ownership and control. An entrepreneur, or a manager, raises funds from investors either to put them to productive use or to cash out his holdings in the firm. The financiers need the manager’s specialized human capital to generate returns on their funds. The manager needs the financiers’ funds, since he either does not have enough capital of his own to invest or else wants to cash out his holdings. But how can financiers be sure that, once they sink their funds, they get anything but a worthless piece of paper back from the manager? The agency problem in this context refers to the difficulties financiers have in assuring that their funds are not expropriated or wasted on unattractive projects.”

[19] Cf. FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 2010.

[20] Cf. Adriana Andrade; José Paschoal Rossetti, Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências, p. 89 ss.

[21] Trata-se de códigos elaborados por instituições com interesse na propagação de boas práticas de governança corporativa. Destarte, vale dizer, tais codificações não têm força de lei, mas são adotados espontaneamente pelas empresas – porquanto não são frutos de processos legislativos válidos.

[22] Cf. Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 60-64.

[23] Ibid.: “Do ponto de vista cultural houve, também, uma modificação de comportamento dos presidentes e diretores de empresas, que, no diálogo com analistas e administradores de fundos, deixaram um pouco a arrogância que tinham outrora, tornando-se mais humildes e aceitando a discussão em torno tanto da gestão passada ou presente, como dos planos da sociedade e de suas perspectivas para o futuro.”       

[24] Op. cit., p. 62. Contudo, obtempera dizendo que “em relação às decisões empresariais mais importantes, a linha divisória da competência dos dois órgãos societários não é muito clara. De um lado, considera-se que o Conselho não deve tratar da área operacional mas, por outro, admite-se que deva tomar as decisões em relação aos principais projetos e planos de negócios, que também podem envolver aspectos operacionais. Os estatutos e a prática de cada sociedade vão aos poucos delimitando a atuação dos dois órgãos, aceitando-se a existência de uma zona cinzenta na qual as questões mais relevantes, mesmo quando operacionais, devem ser examinadas por ambos, embora em níveis diferentes.”

[25] Cf. VILELA, Juliana Girardelli. Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo. v. 46. nº 146. P. 46-81.

[26] Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 64-65.

[27] Ibidem, p. 60-64.

[28] Ibidem, 65.

[29] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 54-56.

[30]  Ibidem, mesmas páginas.

[31]  Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 60-64.

[32] Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 54-56.

[33]  Ibid: “o Neuer Market surgiu em 1997, como uma solução da Bolsa alemã à enorme concentração do mercado principal, já que 70% do volume negociado eram de apenas 10 ações. A falta de liquidez levava as empresas a obter o financiamento para seus empreendimentos na National Association Securities Dealers Automated Quotation/Nasdaq norte-americana, o que não fomentava o crescimento do mercado de capitais nacional”.

[34]  “Uma ação, um voto”.

[35]  United States Generally Accepted Accounting Principles, que estabelece as convenções as regras e os procedimentos das práticas de contabilidade nos Estados Unidos. Esses princípios são emitidos pelo Financial Accounting Standars Board e devem ser utilizados nas indicações financeiras. Os princípios incluem não somente regras gerais de aplicação contábil, mas também suas práticas e seus procedimentos detalhados.

[36]  International Acconting Standards Board, que define padrões internacionais de regras contábeis.

[37]  Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 66.

[38]  Ibidem, p. 66-67.

[39] Cf. FRANCO, Vera Helena de Mello; SZTAJN, Rachel. Manual de direito comercial, volume 2: sociedade anônima e mercado de valores mobiliários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 193: “Cabe, pois, aos administradores, no exercício de suas funções, conduzir a sociedade de forma a cumprir os dois e, aparentemente, divergentes objetivos: obter lucros sem que sejam impostos à comunidade custos ou efeitos perversos no exercício da atividade.”

[40] Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 67: “Enquanto anteriormente uma dezena de corretores dominava o mercado sem ter que prestar contas a ninguém, podendo haver grupos manipulando o mercado, a presença dos estrangeiros exigiu um novo comportamento. Em primeiro lugar, por se tratar de clientes das corretoras que eram profissionais e que tinham responsabilidades no seu país de origem. Em segundo lugar, a multiplicação de atores já não permitia a existência de determinados acordos que se faziam facilmente quando os participantes do mercado eram poucos e estavam em contato contínuo.”

[41] American Depositary Receipts.

[42] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 58-61: “A partir de então, as empresas brasileiras começaram a ter contato com acionistas mais exigentes e sofisticados, acostumados a investir em mercados com práticas de governança corporativa mais avançadas que as aplicadas no mercado local. Houve também uma maior participação de investidores institucionais brasileiros de grande porte e mais conscientes de sua atuação no mercado.”

[43] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 70-78: “Mencione-se também que o Estado, embora tenha encolhido nas últimas décadas, ainda é um importante acionista nas corporações e controla grandes empresas como a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e boa parcela do setor da eletricidade.

[44] Cf. Adriana Andrade; José Paschoal Rossetti, Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências, p. 464-472.

[45] Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 70-78, mas a autora obtempera: “Há que se observar também que esse modelo de concentração de propriedade, embora gere muitas críticas por parte dos integrantes do nosso mercado, que consideram o modelo norte-americano de pulverização acionária superior ao modelo de propriedade concentrada, não é propriamente maléfico e a fonte de todos os infortúnios para a implantação da governança corporativa no país. Assim, apesar de defenderem que o modelo pulverizado norte-americano seria mais eficiente, uma vez que profissionais, sem a presença de acionistas controladores que tenderiam a centralizar todas as decisões e seriam menos propensos a aceitar a prestação de contas aos acionistas, na realidade, apresentam uma análise falha, conforme comprovam os recentes escândalos corporativos norte-americanos, como o da Enron e o da Worldcom, nascidos de abusos e fraudes perpetrados por membros da administração de grandes empresas, todas com capital pulverizado por milhares de acionistas e administradores profissionais. O próprio mercado norte-americano nos dá exemplos demonstrativos de que na análise das práticas de governança corporativa não há espaço para avaliações simplistas, pois duas das companhias mais valorizadas nos Estados Unidos, a Microsoft e a Wal-Mart, têm a figura do acionista controlador, ainda que seja na forma de controle minoritário.”

[46]  Problema que se estabelece quando os administradores ou os executivos detêm o controle efetivo da empresa em decorrência do reduzido poder individual dos acionistas, devido à pequena parcela de propriedade.

[47] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 70-78.

[48] Ibid, mesmas páginas: “Além disso, a concentração substancial de direito sobre fluxo de caixa permite o isolamento da empresa frente a ofertas de aquisição hostil.”

[49] Ibid, p. 59-61: “Nas empresas familiares, por sua vez, os conselheiros não são profissionais, e normalmente são indicados pelo controlador por laços familiares ou pessoais, o que prejudica a qualidade da análise das questões estratégicas da companhia. Já nas companhias abertas o conselho é composto, em grande parte, por executivos estrangeiros da matriz com pouca disponibilidade para tratamento das questões da subsidiária nacional. De outro modo, nas empresas estatais geralmente o conselho é composto por ocupantes de altos cargos públicos, indicados por razões políticas, com baixa disponibilidade para o tratamento das questões corporativas.”

[50] Cf. Adriana Andrade; José Paschoal Rossetti, Governança Corporativa: Fundamentos, desenvolvimento e tendências, p. 425-491.

[51] Cf. IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Disponível em: http://www.ibgc.org.br/ . Acesso em: 24/05/2010: “Hoje,o IBGC é reconhecido nacional e internacionalmente como a principal referência na difusão das melhores práticas de Governança na América Latina.”

[52] Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Código das melhores práticas de governança corporativa. 4ª ed. São Paulo: IBGC, 2009.

[53] O termo agentes de governança refere-se aos sócios, administradores (conselheiros de administração e executivos/gestores), conselheiros fiscais e auditores.

[54] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 64-65. Cf. também Arnold Wald, O Governo das Empresas, p. 68-71. Este autor relata, ainda, que: “O recente projeto, que se transformou na Lei 10.303/2001, foi longamente discutido na Câmara dos Deputados e no Senado, como também nos meios acadêmicos e na imprensa, tendo longa tramitação para finalmente ser aprovado, embora, desde o início, contasse com o apoio da opinião pública e das autoridades governamentais. Enquanto estava sendo discutido o projeto, a CVM baixou diversas instruções que fortaleceram o governo democrático da empresa, defendendo os minoritários, destacando-se entre outras as seguintes: a) Instrução 323, de 19.01.2000 (DOU 24.01.2000), referente ao exercício abusivo do poder; b) Instrução 324, de 19.01.2000, que reduz o percentual da participação no capital votante para permitir a exigência de instalação do Conselho Fiscal; e c) Instrução 345, de 04.09.2000 (DOU 05.09.2000), que regulamenta o fechamento do capital.”

[55] Cf. IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Disponível em: http://www.ibgc.org.br/ . Acesso em: 24/05/2010: ”Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e conselho de administração. O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos apresentam como resultado esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco, o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa, mercado e Brasil.”

[56] Cf. Juliana G. Vilela, Sistema de governança corporativa e a concentração de propriedade nas empresas de capital aberto, p. 66-68: “Assim, de acordo com a Resolução 2.829/2001  da SPC, são os seguintes os percentuais máximos de investimento em ações de empresas listadas nos mencionados níveis de governança da BOVESPA: (i) Novo Mercado – 60% para as reservas dos fundos com contribuição definida e 45% para os demais planos; (ii) Nível 2 – 59% para as reservas dos fundos com contribuição definida e 40% para os demais planos; (iii) Nível 1 – 45% para as reservas dos fundos com contribuição definida e 35% para os demais planos. Essa medida é um relevante estímulo para a entrada das empresas nos níveis diferenciados de governança corporativa da BOVESPA, considerando-se o forte crescimento dos ativos dos fundos de pensão no país (cerca de 150% no período de 1995 a 2001) e a necessidade de participação desses fundos no mercado bursátil, devido à expectativa de queda na taxa de juros da economia no longo prazo.”

[57] Ibidem, mesmas páginas: “O BNDES apresenta um programa de apoio às novas sociedades anônimas, sobretudo voltado para pequenas e médias empresas. No entanto, a sociedade deverá submeter-se a condições que representam um verdadeiro estímulo à adoção de práticas adequadas à boa governança (…)”

[58] Os padrões de conduta da Cartilha da CVM são superiores aos exigidos pela lei. Portanto, ela não é obrigatória e seu descumprimento não acarreta nenhum tipo de sanção ou responsabilidade, na forma da lei. As práticas nela previstas deverão ser adotadas espontaneamente pelas empresas. Seu objetivo é de orientação.

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